28 de mar. de 2009

Sobre a participação de independentes nos movimentos de partidos: uma reflexão para sem-ONGs no Comitê Nacional de Comunicação

O texto abaixo é em resposta à questão de um amigo acerca da participação no Comitê Nacional de Comunicação. Copio abaixo a teclada dele:

“Esse movimento, Flavia, precisa ser muito bem lapidado. Pois do contrário ele parecerá um movimento de esquerda, partidarizado -- ao invés de um movimento em prol do desenvolvimento de conquistas democráticas. Esse é o problema que eu vejo em expressões como "imprensa golpista" e coisas afins. O discurso precisa se elevar acima de questões estritamente partidárias e afirmar metas e objetivos democráticos”


Eu compreendo e compartilho da posição de que o discurso precisa se elevar acima de questões estritamente partidárias e afirmar metas e objetivos democráticos. Por isso mesmo creio que a participação de independentes – ou de cidadãos da sociedade desorganizada – como queiram chamar, é fundamental. No entanto, preciso advertir contra algumas armadilhas da idéia de despartidarização. Então peço que o leitor me acompanhe numa história pessoal, que é a história de uma independente no país dos partidos.

* * *


Uma coisa que aprendi com as minhas participações no movimento estudantil: sempre fui independente - o pessoal do PT articulação, PSTU, e até POR (partido operário revolucionário, com um representante no Brasil, pelo que conheço) tentaram que eu fizesse minha carteirinha. Eu consegui permanecer "sempre galadriel" e não peguei o anel. Mas eu não diria que esse era o anel do mal "para a todos dominar". É preciso ver que todos esses são mais outros atores do processo, e que essa é a forma que eles encontraram de participar.

Me lembro quando em - sei lá, acho que em 1995 ou 96, quem sabe tenha sido em 94, que foi ano de uma grande greve nas universidades - eu participei de um Congresso na USP - que era um congresso de CAs de todos os cantos do Brasil. Foi um frio do cão - dava pena de ver quem veio despreparado. Eu mesma nunca mais precisei das roupas com que me protegi naquele ano...

Bom, no Congresso eu via alguns "independentes perdidos", que são aqueles independentes ingênuos que o povo dos partidos “ataca” (há várias formas de ataque, incluindo mandar uma menina bonitinha do seu partido – se o seu partido não tem meninas bonitinhas, ta em desvantagem). Esses independentes iam nas reuniões e pediam que a discussão fosse despartidarizada. Mesmo eu, independente firmona no país dos partidos, fiquei com pena daqueles caras do CA de não lembro onde (na época era assim o independente tinha que fazer um esforço tremendo pra continuar a ser independente e ainda participar).

No ano passado (ou retrasado?), quando ocorreu a invasão da reitoria da USP (1) fui lá dar uma olhada e foi agradável perceber que havia um grande contingente de independentes convictos participando das discussões e re-afirmando seu lugar e direito como independentes, um verdadeiro - se assim se possa dizer - movimento dos independentes, que tinha até nome, mas já não me lembro qual, e que era o grupo mais forte do momento e super-engajados.

Como as coisas mudaram... nos idos do ano que se perdeu na minha memória, eu era uma das poucas “peixe de fora dentro d’água”... e os independentes perdidos – a maioria dos independentes - eram “peixe fora d’água" mesmo.

É difícil pro independente encontrar um lugar quando os movimentos são "dominados" por partidos, ou por organizações, como parece o caso do Comitê (se bem que isso eu ainda não sei – talvez eu só ainda não tenha ainda encontrado uma forma de participação que não envolva eu virar associada de uma das organizações). No entanto, não é impossível. A minha continuidade no movimento estudantil nos anos 90 (com alguns grandes e pequenos feitos, tanto pra direção certa quanto pra direção contrária) foi uma prova disso. A formação de um movimento de independentes nos anos 2000 - que não tinha qualquer palavra de ordem e assim mesmo fazia a influência muito coerente e a mais forte no movimento de estudantes que invadiu a reitoria - é o exemplo maior (que eu conheço) dessa possibilidade.

Voltando para os idos de noventaetanto, quem era eu: uma espécie de Tancredo Neves, que circulava entre os grupos, discutia, ruminava o que me era dito, falava com os caras e as minas do PT, POR (não muito: o cara era totalmente pela revolução agora dos operários, veja bem), PSTU, até com aquele povo que achava que Quércia ia organizar a revolução (esqueci também o nome deles – pra articulação do PT eles eram o demônio, pro PSTU eram no máximo, motivo de risada, ah, sim, o MR8).

É verdade que muitos dos partidos me olhavam de soslaio, meio desconfiados, outros me achavam inócua, outros tentavam se utilizar de uma “ingênua útil” (e quando eu concordava que as posições deles iam nas mesmas direções que as minhas eu deixava – quando não eram, não deixava, isso já rendeu críticas de um deles, como se eu fosse uma espécie de traidora, mas tudo bem, admito que não fiz isso sempre sem errar).

Ao mesmo tempo, a minha posição nunca foi tirada em consulta só comigo mesma: na época “eu era o CABIO” (última remanescente da chapa com quem entrei) e via como minha missão falar com os estudantes da Biologia-USP, o que eu fazia por vários meios: chamando reuniões, publicando jornaizinhos, pintando cartazes, parando no tempo livre pra falar com as panelinhas (2).

Da parte dos alunos eu sempre via essa mesma vontade: que a discussão fosse despartidarizada. A minha presença entre eles foi bastante agregadora, pois eles logo perceberam que eu não era de partido, e me deram seus ouvidos, começaram a participar, deram sujestões muito boas (outras nem tanto). Em alguns momentos o apoio que consegui para algumas coisas - como as eleições de RDs para os Conselhos da USP e a participação da Bio na greve em 94 (lembro que perdi um show do Tarancón pra ir a uma assembléia (hmf) – foi maior que qualquer outra antes registrada (para o movimento estudantil a Bio era algo inexistente até então). Houve bolas foras minhas, também da alunada (todos somos apenas humanos, demaziadamente). Assim como houve bolas fora dos vários participantes de partidos (lembre-se que eles também – apesar de parecerem ao independente como se fossem uns etês vindos para dominar a terra – são na verdade outros seres humanos tentando mudar o Brazil como podem e a partir do que sabem).

A questão da despartidarização é uma falsa questão. É falsa por que suas premissas são falsas. Como pode haver democracia sem dar voz às pessoas de partidos (ou das ONGs)? Não é humanamente possível botar uma venda na boca daqueles que gritam palavras de ordem ou barrar a participação dos que vem de agenda montada pelo partido (ou pela ONG).

A questão inversa - que não é possível participar sem partidos (ou ONGs) – que hoje já não tem lugar na USP, mas que era o contexto dos que estavam dentro do movimento estudantil nos anos 90 – é da mesma forma falsa: Como é possível garantir uma participação democrática sem dar voz aos independentes (ou aos sem-ONG)?


Somos todos – pessoas de partido, associados de ONGs e pessoas sem-associação – cidadãos. É necessário cultivarmos a tolerância e a habilidade de sermos capazes de ouvir, avaliar, ruminar e ainda por cima participar de maneira positiva.

Tenho grande fé nos independentes. Se por um lado às vezes ele não encontra meios de participar nos processos (e muitas vezes acaba optando por ficar à margem), e por outro a participação organizada é muito forte (e por isso mesmo necessária) em termos de conseguir as informações mais pertinentes – como onde intervir e por que meios, além de terem acumulado todo um quadro de em que pé as coisas se encontram neste momento, sem o qual qualquer ação é ingênua e sem eficácia, por outro lado a participação dos independentes, quando conseguem se organizar numa “não-organização” é fundamental (como é o exemplo do movimento dos independentes: não veio de uma ONG ou partido e não fundou nenhuma ONG nem partido: se formou naquele momento em torno apenas da questão e conseguiu realizar muito na sua “organização temporária e pontual”).

Por que a “organização temporária e pontual” dos independentes é importante? Por que só os independentes conseguem ter um ponto de vista que vai além das organizações. Não que as ONGs e partidos sejam míopes, mas é de se esperar que as pessoas envolvidas nas organizações acabem compartilhando um ponto de vista próprio desse ciclo de associados e de ações burocráticas em que estão envolvidos até o pescoço e que as vezes não os deixa ver para além disso.

Mas o independente não consegue nada de produtivo se não entra em contato com as organizações (que detêm informações relevantes) e se não se associa temporariamente a outros independentes (pois as ações de cada indivíduo, muito errática e por vezes fora do tom) acaba por se auto-anular, na maré das grandes ações.


Quanto à minha forma de participação nos comitês municipais e estaduais, que são preparatórios para o Comitê Nacional de Comunicação que acontecerá em dezembro deste ano, estou tendo a sensação de que as ONGs estão tendo um maior papel na não aceitação do independente que os partidos tiveram no movimento estudantil dos anos 90. Estou exausta de tanto mandar e-mails pedindo orientações de como participar, onde ir e com quem falar. As respostas ou não vem, ou são lacônicos e-mails com clippings dos textos postados nas páginas dessas ONGs (que no entanto, leio), ou me mandam o formulário de alistamento na ONG, ou o endereço de email que está na página deles – que é o e-mail de um fulano específico – retorna como “Undelivered Mail Returned to Sender”.

Ainda estou à busca de respostas, e se alguém quiser me ajudar, é bem vindo. Talvez eu ainda não tenha encontrado o canal certo, ou talvez ele ainda não exista, mas não vou deixar de procurá-lo ou tentar formá-lo. É possível que eu não consiga, e que minhas ações sejam vãs e se percam na maré dos grandes eventos. É possível que só na década de 2030 os independentes consigam organizar um movimento próprio para uma outra causa nobre qualquer.

Como os blogs participam disso?
Juntando as pessoas e ampliando as discussões. Usando as páginas da ONGs pra rapar informações para tentar degluti-las nos blogs. Mas também os blogs são um pequeno circuito de pessoas que tendem a fazer o que conhecem, da forma que conhecem, e reuniões de assembléia são coisas tão etês para a maioria dos blogueiros quanto as pessoas de partidos. Hoje, fazendo parte deste universo, concordo que é muito desconfortável que tudo não ocorra numa grande discussão do Twiter. Mas o que podemos fazer? Ficar à margem? Obviamente que se este “movimento” cair em ouvidos surdos e por demais acostumados a teclar, e se permanecer um movimento de uma blogueira só, é isso que vai ocorrer e tenho consciência do ridículo que aparentam as minhas últimas palavras. Mas eu me recuso em acreditar que qualquer atitude minha a respeito seja uma atitude vã. Quem sabe se ela não ajudará (mesmo que um pouquinho minúsculo) para que algo diferente aconteça em 2087?



Notas:

(1) É possível que essa história possaa ser desencavada no Blog da Ocupação. Deve haver alguma publicação assinada por um ou mais professores da USP a respeito, imagino, pois na época, professores de antropologia propuseram que a sua forma de participação fosse feita com uma pesquisa de participação observante, ao estilo dos antropólogos mais clássicos, e determinaram que essa fosse a pesquisa dos alunos em greve - dessa forma eles continuaram estudando e participando. No entanto, apesar dos antropólogos da pesquisa de imersão nas culturas serem do século passado, nunca antes houve uma proposta vinda dos professores para que tal pesquisa fosse realizada pelos alunos em greve, o que a meu ver é sinal que os professores pressentiram que havia algo muito diferente acontecendo naquele ano.

(2) (na minha época a Bio era todinha panelinhas, eu mesma perdi o apreço da minha panelinha no processo de sociabilizar com outras panelinhas, mas encontrei as pessoas mais tarde e ainda somos amigos. Nem sempre é possível manter as amizades nos momentos tensos, mas nem sempre é impossível reavê-las: outro ano mesmo encontrei no ônibus um cara com quem quase saí no braço (ou de fato saí no braço?) mais tarde quando fazia sociologia – a felicidade dele de me ver e minha de vê-lo foi instantânea, singela e radiante – houve um lindo sorrizo colgate entre nós. A minha explicação pra isso é de que eu, pra ele - e ele, pra mim - faz parte de um momento da nossa vida que foi importante e que apesar da briga, fomos muito mais relevantes um pro outro que muitos outros alunos que nem se comprometeram com a discussão (ou talvez a explicação é que ficamos retardados por um momento)

2 Comentários:

Anonymous Paulo Cunha disse...

A questão da partidarização (onguização) dos movimentos suprapartidários (supraonguinários) é que essas organizações veem para a discussão pública com uma postura fechada, discutida e acatada internamente, que deve ser imposta à resto da coletividade. Não estão em jogo para a criação de um consenso em que todos participantes do movimento acatariam e agiriam. Qualquer posição diferente do pregado (e essa é a palavra, já que serve à catequese) pelo o partido / ong é visto como derrota, como desvio.

Por outro lado, independentes, ao pé da letra, não existem. Todos temos nossos partidos, somos pró ou contra algo, preferimos determinadas ongs, etc. Se são considerados independentes porque não estão organizados em nenhum movimento, bem então deixaram de sê-lo ao participar de qualquer movimento que procure influir na organização da sociedade. Manter-se independente seria não participar.

Por isso concordo que a questão da despartidarização (desonguização) de qualquer movimento amplo é bater no problema errado. A questão não é se há ou não a participação de partidos ou ongs. A questão é qual a postura dessas organizações dentro do movimento amplo. A questão é o sectarismo.

Acho melhor buscar um movimento amplo partidário, onguinário e organizado que aceite o debate democrático e que aja em uníssino.

28/3/09  
Blogger flavia disse...

Paulo,

obrigada por ler o post, e concordo que a alcunha de independente para qualquer um neste mundo que tenha suas próprias concepções e posturas políticas é um erro no mesmo nível do que comete os cientistas políticos ao tentar tratar as pessoas como indivíduos que escolhem racionalmente (e visto que a "racionalidade" que eles adotam pra tanto é um conceito muito do medíocre, a coisa não vai a lugar nenhum)

Mas mantendo o nome dos "independentes" (um nome como pessoas sem filiação a partidos ou ongs que no entanto podem em um ou mais momentos tomar uma posição no espectro político, ou coisa parecida), creio que estou a encontrar nas ONGs um grupo muito mais fechado que os partidos políticos que dominavam a cena nos noventa. Ao menos com esses atores, era possível me aproximar (ou eles mesmos se aproximavam) e não havia que a condição para tanto fosse eu me alistar no partido. É claro que eles tinham seus interesses, e ao tentar me convencer e oferecer acesso às informações e/ou me dizer onde e como achar as mesmas e quais os canais de participação, eles esperavam que ao menos eles pudessem me usar em sua causa. Com as ONGs, por enquanto, nem ao menos usar quem quer que seja em sua causa é possível encontrar.

Mas que isso não seja lido como uma crítica à causa. A democratização dos meios de comunicação é uma causa de primeira necessidade e eles estão agindo com muita propriedade e acúmulo de saberes no caso. Só que ao que parece, se eles continuarem como movimentos fechados - e não sei como eles não percebem isso - o que vai haver é uma grande derrota, e o Comitê Nacional de Comunicação vai entrar para a história como um movimenteco deslocado e derrotado.

28/3/09  

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